Não ultrapasse pela direita!
Daniel Caldeira
sábado, 16 de junho de 2012
O sonho do automovel acabou em São Paulo
Do Spresso SP (http://www.spressosp.com.br/2012/06/o-sonho-do-automovel-acabou-em-sao-paulo/), vale a pena ler
“O sonho do automóvel acabou em São Paulo”
Publicado em 14 de junho de 2012
Para o engenheiro de
tráfego Horácio Augusto Figueira, não existe solução para o
congestionamento de carros, mas sim para o transporte coletivo. Ele
contesta a ideia de José Serra de que mais ônibus iriam piorar o
trânsito na cidade. “É o contrário, são os automóveis que engarrafam o trânsito do transporte coletivo e não deixam os ônibus andarem.”
Por Felipe Rousselet
Recente pesquisa divulgada pela empresa
Ticket, especializada em gestão de benefícios-transporte (como o bilhete
único), apontou que o paulistano paga a tarifa média de transporte
público mais cara do país, sem considerar a integração. Porém, mesmo
pagando uma passagem tão cara, o morador de São Paulo convive
diariamente com congestionamentos, ônibus lotados e falhas recorrentes
no sistema de transportes sobre trilhos.
Este tema deve ser um dos principais
pontos da eleição municipal deste ano. Em debate organizado pelo Insper
(Instituto de Ensino e Pesquisa) sobre o livro O Triunfo das Cidades,
do economista americano Edward Glasser, o pré-candidato do PSDB, José
Serra, afirmou que investimentos em linhas de ônibus só iriam engarrafar
mais a cidade. Para ele, a solução para a mobilidade da cidade são
obras viárias que desafoguem o trânsito do centro, além de investimentos
no Metrô e na CPTM.
O SPressoSP entrevistou
o engenheiro de tráfego e vice-presidente da Associação Brasileira de
Pedestres, Horácio Augusto Figueira, para saber a sua opinião sobre o
transporte público em São Paulo e conhecer as suas propostas para
melhorar a mobilidade urbana.
SPressoSP – Como o senhor avalia o custo-benefício do transporte público em São Paulo?
Horácio Augusto Figueira - Em
termos de custo-benefício, fora do horário de pico, dá para você usar
como serviço comum. Nos horários de pico, por não ter velocidade
compatível nos corredores, os ônibus andam em baixa velocidade e
lotados. Não é um serviço de boa qualidade. Para reverter essa situação,
teria que ser dada prioridade total para os ônibus no sistema viário e,
para isso, você tem que incomodar o usuário de carro, não tem outro
jeito. Não tem como conciliar privilégios ao transporte coletivo sobre
rodas sem tirar uma faixa dos automóveis. Os R$ 3,00 que você paga hoje
em São Paulo é uma tarifa cara para um serviço de baixa velocidade
comercial.
Se houvesse uma boa velocidade, o
serviço não seria caro, até pela integração entre ônibus e metrô, e
também pela possibilidade do usuário pegar três ônibus no período de
três horas. O que acontece é um subsídio interno do sistema para
aqueles que fazem viagens longas. O usuário que anda poucos quilômetros
paga por aquele que vem de mais longe.
É caro por isso, um “caro relativo” e
não em termos absolutos. Hoje, você pega metrô e ônibus e cruza a cidade
inteira. Se compararmos com outras cidades não é mais caro, o problema é
que em outras cidades muitas vezes você não tem o benefício de trocar
de carro gratuitamente, e também não tem integração com o sistema sobre
trilhos.
SPressoSP – Por que este custo-benefício ainda é tão caro?
Horácio Augusto Figueira - Pelo
congestionamento imposto pelos automóveis, o poder público não tem a
coragem de falar que uma faixa de ônibus transporta dez vezes mais
pessoas que a mesma faixa ao lado de automóveis. A sociedade e a mídia
cobram que existem muitos congestionamentos, acho que ainda tem pouco.
Eu acabaria com o rodízio em São Paulo, para a cidade sentir o que é a
verdade do automóvel.
Todo mundo quer andar de carro, mas não
existe espaço físico que comporte mais automóveis na cidade de São
Paulo. Não tem mais obra viária que vá resolver a questão da mobilidade
por transporte individual. Não tem alargamento de marginal, ponte ou
túnel que dê conta.
Não sou contra o automóvel. Tenho
automóvel, mas me recuso a ir para o centro da cidade com transporte
individual. Não cabe, é um problema físico. Você consegue colocar cem
pessoas em 1 metro quadrado? Não consegue, e o que estão querendo fazer
com o automóvel é isso. A 23 de Maio vai continuar a mesma, e não
podemos desapropriar a cidade inteira para entupir com automóveis.
Você vê o que aconteceu na Marginal
Tietê, a prefeitura e governo estadual investiram quase 2 bilhões de
reais para alargar a Marginal e os congestionamentos voltaram. Aí eles
restringiram os caminhões, e os congestionamentos voltaram. E agora,
quem eles vão tirar? Os pedestres, vão acabar com as calçadas? Não tem o
que fazer, a demanda é tão grande que qualquer avenida inaugurada hoje,
em um mês já vai estar entupida.
SPressoSP – Quais medidas poderiam ser implementadas para melhorar a qualidade do transporte público?
Horácio Augusto Figueira - É
preciso pegar o espaço viário, todo o que for necessário, para
implantação de uma malha de corredores viários. Parece que a prefeitura
anunciou a criação, até o fim do ano, de 140 km de faixas exclusivas, o
que não é a oitava maravilha do mundo, por operar na direita e ter muita
interferência, mas é melhor que nada. Até esperar que se construa um
corredor adequado, operando na esquerda, é benéfico operar a faixa
exclusiva na direita, que basta pintar, sinalizar e fiscalizar. Esta
seria a primeira medida, deixar o ônibus andar.
São quatro questões que o usuário leva
em conta na hora de optar por um meio de transporte. Por que as pessoas
fogem do ônibus, metrô e trens lotados, indo pro carro? Primeiro, pela
velocidade, os ônibus não conseguem andar no horário de pico. Entre um
carro que não anda e um ônibus superlotado que não anda, as pessoas com
renda maior optam pelo carro.
Questão do rodízio. No dia que meu carro
está no rodízio, eu compro e uso uma moto. Assim, aumentam o número de
acidentes devido ao risco deste meio de transporte e pela forma como a
maioria dos motociclistas conduzem seu veículo. Uma forma quase que
suicida. Olha que loucura, o automóvel veio e congestionou a cidade, e
agora pessoas de alta renda estão comprando motos, tenho dados sobre
isso. Para fugir do congestionamento que elas próprias criaram e também
do rodízio. Então, estamos fugindo de tudo. Quando na verdade precisamos
pensar em como fazer um choque de oferta.
Precisamos pegar duas faixas no horário
de pico do corredor Nove de Julho, do Ibirapuera e do corredor
Consolação-Rebouças para operação do transporte coletivo, doa a quem
doer, porque vou conseguir transportar em duas faixas 20 mil pessoas por
hora, quando eu precisaria de 20 faixas de automóvel para transportar a
mesma demanda. Uma faixa de ônibus leva dez vezes mais clientes por
hora que uma faixa de automóvel. Basta a decisão política para que isso
seja feito.
SPressoSP – Recentemente o
pré-candidato à prefeitura de São Paulo, José Serra, afirmou que
investir em ônibus em São Paulo iria engarrafar ainda mais a cidade. O
que o senhor acha desta afirmação?
Horácio Augusto Figueira - Iria
engarrafar o trânsito de automóveis, quando, na verdade, é o contrário,
são os automóveis que engarrafam o trânsito do transporte coletivo e
não deixam os ônibus andarem. É um viés, precisamos voltar aos bancos
escolares para ter uma aula sobre o que é engenharia de transporte de
pessoas. O ex-governador que me perdoe, mas quando eles falaram que
iriam alargar a Marginal Tietê eu avisei, em uma entrevista, que iam
jogar nosso dinheiro no lixo. Nas dez faixas da Marginal Tietê passam em
média 15 mil automóveis por hora. Se multiplicarmos esse número pela
ocupação média de 1,4 passageiro em cada automóvel, dá 21 mil pessoas
por hora. Qualquer engenheiro da prefeitura sabe que uma faixa exclusiva
para ônibus biarticulados, bastando apenas permitir a ultrapassagem no
ponto, consegue transportar, com um padrão razoável de conforto, todas
as pessoas que estão entupindo as dez faixas da marginal.
Quando o candidato diz que vai entupir a
cidade, ele só está enxergando o congestionamento de automóveis, e o
que eu lamento é o congestionamento de ônibus. Se você entrar no site da
SPTrans em horário de pico, você vai ver ônibus trafegando em
corredores com velocidade média de 5km/h. A prefeitura sabe disso e não
faz nada. Como poderíamos atuar nessa situação?
É só verificar o problema e aumentar
mais uma faixa para o transporte público pelo tempo necessário. E os
automóveis? Não estou mais preocupado com os automóveis. Se continuarmos
preocupados com automóveis não tem mais o que fazer. Posso investir um
trilhão de dólares em obras viárias em São Paulo que nunca mais vou
conseguir resolver o problema da mobilidade.
Resumindo tudo o que estou falando, o
sonho do automóvel acabou na cidade de São Paulo. Ele foi bom há 40
anos, quando era 1 em mil. Hoje, tem famílias que têm oito veículos para
fugir do rodízio. É o rodízio da hipocrisia, você que é pobre não vai
andar, mas eu que sou rico pego meu outro carro.
O metrô e o trem vão resolver o
problema? Vão resolver os grande eixos de demanda, mas não da mobilidade
de uma cidade que tem mais de mil linhas de ônibus. Você nunca vai ter
uma malha de metrô de 2 mil quilômetros nem daqui a 1.000 anos. O
sistema de ônibus é aquele que sobe o morro, que atende as ruas de
bairros, e muitos dos seus eixos têm que ser estruturadores do sistema
de transportes. Tem eixos que não precisam de metrô. Um corredor bem
feito e bem operado resolve o atendimento da demanda, basta que você
tenha linhas tronco. Por exemplo, a Rebouças, onde operam mais de 30
linhas de ônibus, teríamos que transformar em quatro ou cinco linhas
troncos com ônibus biarticulados, como se fosse um metrôzinho
sobre pneus. Outra medida é implantar um sistema de semáforo onde o
ônibus converse com o semáforo por radiofrequência para diminuir o
vermelho. Londres implantou isso em 77 e diminui 30% no tempo de
percurso, e Curitiba está com isso faz três meses em todos os seus
corredores.
(Colaborou: Maria Eduarda Carvalho)
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